sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Feijoada; um pouco portuguesa, em nada escrava, quem sabe judaica?

A combinação do arroz de herança Muçulmana, com o feijão de cultivo antigo e comum a todos os povos agricultores foi desde sempre a refeição mais popular e democrática trazida da Europa para a América latina.
Achei interessante saber que em Cuba se chama Moros y Cristianos (mouros e cristãos).
A combinação super alimentícia que já foi chamada de prato de pobre passou a símbolo nacional consumido de norte a sul do país por todas as classes sociais nas mais diversas versões e sua provável origem é a feijoada portuguesa ou a fabada asturiana (faba de fava, leguminosa, feijão) pratos a base de carnes e cereais feitos de véspera e deixados em fogo lento para serem consumidos no dia seguinte, bem quentes, gordurosos e calóricos, próprios para o frio das regiões agrícolas européias.
Nesses guisados nenhum naco de carne seca ou salgada que tivesse sobrado das refeições da semana era desperdiçado; misturados a líquidos temperados com especiarias e acrescidos de legumes e verduras cozinhavam em fogo brando, muito lentamente, até quase desmancharem e se por acaso algum pedaço já estivesse deteriorado o gosto passava totalmente despercebido, misturado que estava a tantos outros ingredientes.
Carlos Augusto Ditadi, especialista em assuntos culturais e historiador do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro desmistifica a hipótese de que a feijoada seja um prato original das senzalas, considera que essa é mais uma lenda contemporânea, fruto de uma versão romanceada das relações sociais e culturais da escravidão no Brasil.
Normalmente servida aos sábados no Brasil, a feijoada coincidentemente ou não segue uma herança judaica trazida pelos novos cristãos, os marranos saídos da Espanha e Portugal que professavam sua religião em segredo, passando veladamente sua cultura para as gerações seguintes sem dar nomes aos bois. A religião judaica não permite tarefas mecânicas na sexta-feira depois que a terceira estrela desponta no céu marcando o começo do shabat, cozinhar é uma dessas tarefas não permitidas e talvez a feijoada portuguesa tenha como origem o cholent, tradicional guisado judeu de shabat que também começava a ser cozido no dia anterior e levava basicamente os mesmos ingredientes em qualquer parte do mundo onde houvesse judeus praticantes.
Quanto a fabada que é uma feijoada criada em Astúrias, há uma boa probabilidade que tenha origem no cholent já que uma pesquisa recente encomendada a Universidade de Leicester na Inglaterra e a Pompeu Fabra de Barcelona, confirma que é no principado de Astúrias que se encontram vestígios genéticos de maior predominância judeu sefaradita de toda a Espanha. É certo que de acordo com a lei alimentar judaica, a kashrut, a carne de porco é vedada, mas é difícil se certificar que tipo de carnes eram adicionadas inicialmente à feijoada ou se em algum momento foram substituídas por outras. Tem-se notícia registrada da feijoada apenas a partir do século XIX e o exemplo mais antigo está no Diário de Pernambuco de 7 de agosto de 1833, no qual o Hotel Théâtre, de Recife, informa que às quintas-feiras seria servida “feijoada à brasileira”(referência talvez ao caráter adaptado do prato?). Um caso a pensar...

domingo, 26 de setembro de 2010

É primavera

Em vão, centenas de milhares de homens, amontoados
num pequeno espaço, se esforçavam por desfigurar a
terra em que viviam. Em vão a cobriam de pedras
para que nada pudesse germinar; em vão arrancavam
as ervas tenras que pugnavam por irromper; em vão
impregnavam o ar de fumaça; em vão escorraçavam
os animais e os pássaros - Em vão…
Porque até na cidade, a Primavera é Primavera.
—Tolstói, em "Ressurreição"


Uma pequena lufada apenas e o chão fica logo coberto de vermelhos e amarelos, roxos e rosas, dos ipês, das quaresmeiras e das muitas árvores que não conheço o nome, mas me consola a certeza de não ser a única na cidade. E não obstante, a primavera chegou, indiferente a nomes e com ela os tapetes floridos que se descortinam a céu aberto e se esparramam pelo chão dessa cidade, maravilhosa em qualquer estação, mas quando a primavera chega...
Há orquídeas em exposição no Jardim Botânico, e qual não foi minha surpresa ao descobrir durante pesquisas que é ingrediente em nossa mesa uma orquídea não tão bela como suas primas ou irmãs, mas que talvez seja mais famosa e tenha usufruído de muito mais prestigio e longevidade que as primeiras, e que seu perfume tenha inebriado desde o império asteca às cortes inglesas e francesas. Que foi um dia muito mais rara do que a mais rara de todas as orquídeas negras e pagava-se por cada pistilo seu fortunas em moedas de ouro.
Debutou na Europa como ingrediente de remédios complexos, indo parar nas boticas de famosos doutores, mas aos poucos foi ocupando o lugar de honra que lhe era destinado; a mesa da realeza.
Não veio da África, como muitas de suas irmãs, mas da Mesoamérica e como todos os tesouros descobertos pelos espanhóis nesse continente foi surrupiada por mãos ávidas numa tentativa frustrada de ser plantada em solo europeu, mas, caprichosa não cedeu.
Aos colonizadores nunca lhes bastou experimentar, era preciso se apropriar, porém seu solo não conseguia multiplicar nem esse nem os outros tesouros trazidos das Américas do Sul e Central, a terra não se prestava ao plantio dos frutos importados e ao clima faltava calor e umidade que os fizesse desenvolver.
A baunilha é uma orquídea com pistilos de verde variado que quando secos escurecem como carvão. Intensamente saborosa, tem aroma incomum à maioria dessas flores e um sabor delicado e característico. Ainda é um produto razoavelmente caro e a líquida que encontramos nos supermercados não é baunilha de verdade, mas um composto aromatizado.
É possível fabricar o extrato de forma caseira, leva tempo para aromatizar, mas não é nada complicado.